sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Fibra interna, rainha de Sabá.

          Ando imerso em grandiosos pensamentos. Grandiosos. São meus, logo sua intensidade, tamanho, forma, proporção, tudo é particular. Enquanto não ajo, meus pés cansados de uma não trajetória refletem sobre qualquer coisa impalpável e mítica que é o futuro. Essa fibra da qual somos feitos, e que por dentro de todos há um pedaço do além. Não desse além ou pós-morte cristão. Algo mais profundo. Algo mais além. A fibra mole é o que somos.

          Remexo em papéis velhos com sabor de saudade. Uma lembrança atravessa refletores sobre minha cabeça e revejo tempos passados, onde eu era um menino perdido entre literatura e religião. Você era uma menina aguçada, serpenteando entre meus dedos, deixando-me te cobrir com carícias. Éramos ímprobos e perdoados pelo deus dos cristãos. A cruz significava para nós fuga e salvação. Naquele tempo não havia proibição: éramos de todo livre para sermos o que quiséssemos. E queríamos. E o verbo ser era empregado em primeira pessoa do plural com uma suposta intensidade, menina, que não sabíamos mais como permanecer sem conjugar. Sem conjugar nossa pueril sagacidade de descobrir a luz, o escuro, o medo e a mentira. O sabor da mentira em teus lábios, néctar do Hades, era meu inferno e meu prazer. Havia uma salvação individual naquilo tudo. Não havia carma, não havia pecado. Estávamos no caminho das luzes e sabíamos disso. Relaxávamos.

          Enquanto o deslize de tuas coxas sobre as minhas permaneciam num ímpeto de fugaz desejo, eu compreendia o que éramos: menino e amante. Seus cabelos morenos, seios perfeitos que me olhavam como quem seduz e encanta sua presa. Eu era presa, devorado por teu ventre. Eu me sentia vivendo os Cânticos de Salomão e você era a minha rainha de Sabá. Éramos rei e rainha, virtude e prazer era nosso segundo nome.

           Pernas perfeitas as tuas, que caminhavam por dentro da sala de estar da casa de teus pais. Pernas bambas as minhas, cansadas do amor que tu me destes, caminhavam em busca da tua sagrada verdade, que é a sagrada verdade de todas as mulheres. Hoje, agora, meus pés relembram passos e compassos, teu olhar de Cleópatra, mulher literato e Capitu. Eu era seu segredo. Eu era seu Escobar.

          Não há verdade. Os portais se abrem e adentro no mistério mais profundo de nós mesmos. A massa, que é fibra e mole, somos nós. Somos esculturas surrealistas, indecifráveis ao olho do que não foi iniciado. Cavalos com chifres correm solto e sua liberdade é minha mais profunda nostalgia. Eu sou amante dos cavalos. Unicórnios, cavalos de fogo, cavalaria, cristandade são o meu mais profundo eu. Silêncio. Ouço o cantar da águia que irá devorar a última galinha no quintal de alguma moradia serrana. O ovo ainda está redondo e branco. Estamos salvos do futuro.

Um comentário:

  1. Ah, como é doce as palavras escritas nas linhas sonoras do coração cujo sentimento descreve a mansa e leal sinfonia da alma...
    Parabéns Felipe... suas palavras me incentivam a acreditar que tudo pode ser possível enquanto houver algum resquícios de sonho grudados na alma

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