Apenas um grito: seco, abafado, mofado. O desejo seria apenas nossa mais profunda nostalgia, nosso mais profundo grito que deseja libertar nossa alma da prisão do que fingimos ser? Quero mascar a matemática e a filosofia, loucura última. Quero as Fúrias mitológicas, derramo sangue de meu sangue: o nascimento é derramamento de sangue. A mulher-mãe-de-todos-os-homens grita e derrama sangue em seu nome sagrado. Seu ventre é Pandora.
A fuga do Olimpo é maldita e transgressora. Tenho sangue em minhas mãos? Roubei a placenta ao nascer e me alimentei do substrato último da fecundação. O terceiro olho me vê e me arrepio todo. Somos destinados a uma morte jovem. A mulher-natureza (o que significa "Mãe") é mulher louca e possessa. Hera, bendita entre todas as mulheres, derramou possessão sobre todas as mães. Todas estão possessas de amor. Amor é zombaria dos deuses. O que fazer agora? Apenas amar. É o golpe final.
Ouço o barulho do mar ao longe, não sei onde. Penso que lá no fundo, bichos pré-históricos ainda vivem sem saber de minha existência, mesmo eu sabendo a deles. Sinto-me humilhado como bicho pré-histórico que sou. Passada a evolução, sou um mostro de sete cabeças que adora o terceiro olho enquanto devora um zebu como sacrifício de fertilidade. Eu seria aquilo que está no mais profundo dos mares, e isso me assusta. A ignorância dos outros bichos ao meu respeito me humilha e sou devastado pelo medo único de viver ao ser ignorado. Eles estão salvos na sua ignorância, eu não. Ao saber quem eles são, tenho certo compromisso com tais seres, enquanto eles sequer possuem qualquer compromisso com minha existência. O inferno cognitivo me chama e sou devorado pela Sapiência.
Blog da Esfinge
Conversas sobre o tempo
domingo, 12 de maio de 2013
sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013
Fibra interna, rainha de Sabá.
Ando imerso em grandiosos pensamentos. Grandiosos. São meus, logo sua intensidade, tamanho, forma, proporção, tudo é particular. Enquanto não ajo, meus pés cansados de uma não trajetória refletem sobre qualquer coisa impalpável e mítica que é o futuro. Essa fibra da qual somos feitos, e que por dentro de todos há um pedaço do além. Não desse além ou pós-morte cristão. Algo mais profundo. Algo mais além. A fibra mole é o que somos.
Remexo em papéis velhos com sabor de saudade. Uma lembrança atravessa refletores sobre minha cabeça e revejo tempos passados, onde eu era um menino perdido entre literatura e religião. Você era uma menina aguçada, serpenteando entre meus dedos, deixando-me te cobrir com carícias. Éramos ímprobos e perdoados pelo deus dos cristãos. A cruz significava para nós fuga e salvação. Naquele tempo não havia proibição: éramos de todo livre para sermos o que quiséssemos. E queríamos. E o verbo ser era empregado em primeira pessoa do plural com uma suposta intensidade, menina, que não sabíamos mais como permanecer sem conjugar. Sem conjugar nossa pueril sagacidade de descobrir a luz, o escuro, o medo e a mentira. O sabor da mentira em teus lábios, néctar do Hades, era meu inferno e meu prazer. Havia uma salvação individual naquilo tudo. Não havia carma, não havia pecado. Estávamos no caminho das luzes e sabíamos disso. Relaxávamos.
Enquanto o deslize de tuas coxas sobre as minhas permaneciam num ímpeto de fugaz desejo, eu compreendia o que éramos: menino e amante. Seus cabelos morenos, seios perfeitos que me olhavam como quem seduz e encanta sua presa. Eu era presa, devorado por teu ventre. Eu me sentia vivendo os Cânticos de Salomão e você era a minha rainha de Sabá. Éramos rei e rainha, virtude e prazer era nosso segundo nome.
Pernas perfeitas as tuas, que caminhavam por dentro da sala de estar da casa de teus pais. Pernas bambas as minhas, cansadas do amor que tu me destes, caminhavam em busca da tua sagrada verdade, que é a sagrada verdade de todas as mulheres. Hoje, agora, meus pés relembram passos e compassos, teu olhar de Cleópatra, mulher literato e Capitu. Eu era seu segredo. Eu era seu Escobar.
Não há verdade. Os portais se abrem e adentro no mistério mais profundo de nós mesmos. A massa, que é fibra e mole, somos nós. Somos esculturas surrealistas, indecifráveis ao olho do que não foi iniciado. Cavalos com chifres correm solto e sua liberdade é minha mais profunda nostalgia. Eu sou amante dos cavalos. Unicórnios, cavalos de fogo, cavalaria, cristandade são o meu mais profundo eu. Silêncio. Ouço o cantar da águia que irá devorar a última galinha no quintal de alguma moradia serrana. O ovo ainda está redondo e branco. Estamos salvos do futuro.
Remexo em papéis velhos com sabor de saudade. Uma lembrança atravessa refletores sobre minha cabeça e revejo tempos passados, onde eu era um menino perdido entre literatura e religião. Você era uma menina aguçada, serpenteando entre meus dedos, deixando-me te cobrir com carícias. Éramos ímprobos e perdoados pelo deus dos cristãos. A cruz significava para nós fuga e salvação. Naquele tempo não havia proibição: éramos de todo livre para sermos o que quiséssemos. E queríamos. E o verbo ser era empregado em primeira pessoa do plural com uma suposta intensidade, menina, que não sabíamos mais como permanecer sem conjugar. Sem conjugar nossa pueril sagacidade de descobrir a luz, o escuro, o medo e a mentira. O sabor da mentira em teus lábios, néctar do Hades, era meu inferno e meu prazer. Havia uma salvação individual naquilo tudo. Não havia carma, não havia pecado. Estávamos no caminho das luzes e sabíamos disso. Relaxávamos.
Enquanto o deslize de tuas coxas sobre as minhas permaneciam num ímpeto de fugaz desejo, eu compreendia o que éramos: menino e amante. Seus cabelos morenos, seios perfeitos que me olhavam como quem seduz e encanta sua presa. Eu era presa, devorado por teu ventre. Eu me sentia vivendo os Cânticos de Salomão e você era a minha rainha de Sabá. Éramos rei e rainha, virtude e prazer era nosso segundo nome.
Pernas perfeitas as tuas, que caminhavam por dentro da sala de estar da casa de teus pais. Pernas bambas as minhas, cansadas do amor que tu me destes, caminhavam em busca da tua sagrada verdade, que é a sagrada verdade de todas as mulheres. Hoje, agora, meus pés relembram passos e compassos, teu olhar de Cleópatra, mulher literato e Capitu. Eu era seu segredo. Eu era seu Escobar.
Não há verdade. Os portais se abrem e adentro no mistério mais profundo de nós mesmos. A massa, que é fibra e mole, somos nós. Somos esculturas surrealistas, indecifráveis ao olho do que não foi iniciado. Cavalos com chifres correm solto e sua liberdade é minha mais profunda nostalgia. Eu sou amante dos cavalos. Unicórnios, cavalos de fogo, cavalaria, cristandade são o meu mais profundo eu. Silêncio. Ouço o cantar da águia que irá devorar a última galinha no quintal de alguma moradia serrana. O ovo ainda está redondo e branco. Estamos salvos do futuro.
segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013
Choveu.
Hoje o mundo desabou sobre nossas cabeças. Alvas, livres, enquanto o tempo nublado sobre o céu da cidade enchia de lágrimas o vidro dos ônibus, automóveis. Há tempos que a saudade batia, há tempos eu havia comprado também um guarda-chuva. E como quem espera a chuva, aguardei. Mas aguardei chuva como bênção, saudosa lembrança. Bons tempos aqueles dos primeiros suspiros, os teus. Da briga de gato e rato, de amor e eu, inalcançável. Imperfeito. Conjugado antes mesmo de sabermos que verbo seria, que palavra seria dita, mais ou menos três anos após. O gosto de café amargo, entalado na garganta. Minha pele branca, de suspense, de medo, de terror. Pavor. Senti enorme pavor. Arrisquei.
Ao ouvir tua voz suspensa entre um alô e minha identificação, encontrei um abismo. Mas havia uma ponte. Mas só vi o abismo no teu silêncio. A resposta quase ríspida, outrora minha, quase me confundiu. Sonhei. Naquele sonho um cão místico, quase uma esfinge, mordia meu braço e o tarô revelava silêncio e precisão. Silêncio mais uma vez. A resposta seguinte foi cheia de alvo, eu sendo este. Meus sonhos sempre previam algo. Os dos outros também. Esse meu lado que tem a ver com o Outro Lado sempre me encantou. Segui sempre em corda bamba, entre o mistério e o previsível. Sempre fiquei imprevisível.
Longo suspiro cansado por ter sido alvejado. Teu primeiro golpe doeu. O segundo me feria por completo. Agora, eu sentia as lágrimas do nada descerem sobre meu rosto. Não aquelas feitas por mim, mas aquelas que desabaram do céu enquanto eu te falava. Essa poderia ser A História das Lágrimas que Não Chorei. Não houve lágrimas, só houve dor. Muita dor. O tempo lacrimejou por mim. O tempo desabou sobre minha cabeça enquanto o peito apertava contra a parede molhada e o ouvido apertava contra o telefone que suava. Entre gritos de pessoas em volta, conversas, o meu tempo por segundos, minutos, parou. A sua não-resposta me deu esperança e desespero. Um não-adeus também. Só não sigo com estas. Apenas sigo em frente.
Se vai ser aqui, se vai ser agora, se tiver de ser. Por enquanto, eu sigo em frente. E provavelmente isso irá me render textos, e devaneios. Não a esperança, mas os mistérios da vida. A minha decisão tardia, sempre tomada perante as pressões... ainda vai me render muita coisa. Não com lágrima, não sei. Agora não há. Só uma dor amarga, golpe profundo. Porque não há nada para ser chorado, só um luto silencioso por nós dois. Sempre ouvi dizer que quando morre alguém, chove. Hoje choveu. Choveu enquanto nossas vozes fúnebres entoavam o canto celestial de amor. Enquanto não houver respostas, eu sigo em busca do nada, me alimentando da luz que existe por detrás do escuro. Eu morri enquanto a chuva escorria na minha testa, molhava meus cabelos. Eu sequer inaugurei o guarda-chuva. Ainda está guardado. Quem sabe, quando houver sol, alguém se lembre dele, empoeirado e ainda assim, celebre uma lágrima não chorada em minha homenagem.
Ao ouvir tua voz suspensa entre um alô e minha identificação, encontrei um abismo. Mas havia uma ponte. Mas só vi o abismo no teu silêncio. A resposta quase ríspida, outrora minha, quase me confundiu. Sonhei. Naquele sonho um cão místico, quase uma esfinge, mordia meu braço e o tarô revelava silêncio e precisão. Silêncio mais uma vez. A resposta seguinte foi cheia de alvo, eu sendo este. Meus sonhos sempre previam algo. Os dos outros também. Esse meu lado que tem a ver com o Outro Lado sempre me encantou. Segui sempre em corda bamba, entre o mistério e o previsível. Sempre fiquei imprevisível.
Longo suspiro cansado por ter sido alvejado. Teu primeiro golpe doeu. O segundo me feria por completo. Agora, eu sentia as lágrimas do nada descerem sobre meu rosto. Não aquelas feitas por mim, mas aquelas que desabaram do céu enquanto eu te falava. Essa poderia ser A História das Lágrimas que Não Chorei. Não houve lágrimas, só houve dor. Muita dor. O tempo lacrimejou por mim. O tempo desabou sobre minha cabeça enquanto o peito apertava contra a parede molhada e o ouvido apertava contra o telefone que suava. Entre gritos de pessoas em volta, conversas, o meu tempo por segundos, minutos, parou. A sua não-resposta me deu esperança e desespero. Um não-adeus também. Só não sigo com estas. Apenas sigo em frente.
Se vai ser aqui, se vai ser agora, se tiver de ser. Por enquanto, eu sigo em frente. E provavelmente isso irá me render textos, e devaneios. Não a esperança, mas os mistérios da vida. A minha decisão tardia, sempre tomada perante as pressões... ainda vai me render muita coisa. Não com lágrima, não sei. Agora não há. Só uma dor amarga, golpe profundo. Porque não há nada para ser chorado, só um luto silencioso por nós dois. Sempre ouvi dizer que quando morre alguém, chove. Hoje choveu. Choveu enquanto nossas vozes fúnebres entoavam o canto celestial de amor. Enquanto não houver respostas, eu sigo em busca do nada, me alimentando da luz que existe por detrás do escuro. Eu morri enquanto a chuva escorria na minha testa, molhava meus cabelos. Eu sequer inaugurei o guarda-chuva. Ainda está guardado. Quem sabe, quando houver sol, alguém se lembre dele, empoeirado e ainda assim, celebre uma lágrima não chorada em minha homenagem.
(re) (a) presentações
Não sou escritor, não escrevo com compromisso nem literário, nem de promoção pessoal. E por que dizer isso logo na primeira postagem da "reabertura" de um blog?
Acredito que escrita sempre tem a ver com algo pessoal. Com alguma coisa que se passa dentro de você, com você, para você. De alguma outra forma, externalizada, a escrita pode gerar qualquer coisa inominável no outro, que somos nós mesmos. O outro é a maior representação do eu, por isso o misto do amor e raiva. E a escrita pode ser a nossa maior forma de ser o outro, que é ser nós mesmos.
Os textos aqui publicados na sua grande maioria não tem sequer a ver com a vida pessoal de quem escreve, mas ao mesmo tempo tem. Nenhuma linha poderia ser escrita se algo, de alguma maneira pessoal, não fosse vivenciada. Ou idealizada. A escrita pode ser ao mesmo tempo tanto pessoal quanto impessoal. Mata e salva. Sendo claro desde o princípio: a escrita não tem compromisso com ninguém, a menos que você seja um profissional e viva disso. A escrita não deve ter compromissos, amarras. Tem que ser livre, liberta, é alma. A escrita é impalpável.
No mais, compartilho um trecho de uma carta, da tão famosa, hermética e popular (pólos tão impossíveis! digo popular porque caiu no "gosto", mas ainda acredito que permaneça incompreendida) Clarice Lispector a Andréa de Azulay:
Obs.: modifiquei os gêneros porque também acredito que a leitura é pessoal. O leitor tem uma relação íntima com seu texto, e o autor fala àquele que o possa ouvir com ouvidos não materiais.
" [...] Você precisa saber que já é um escritor. Mas nem ligue, faça de conta que nem é. Eu lhe desejo que você seja conhecido e admirado por um grupo delicado embora grande de pessoas espalhadas pelo mundo. Desejo-lhe que nunca atinja a cruel popularidade porque esta é ruim e invade a intimidade sagrada do coração da gente. Escreva sobre ovo que dá certo. Dá certo também escrever sobre estrela. E sobre a quentura que os bichos dão à gente. Cerque-se da proteção divina e humana, tenha sempre pai e mãe - escreva o que quiser sem ligar para ninguém. Você me entendeu?"
(MOSER, Benjamin. Clarice,. Tradução de José Geraldo Couto. São Paulo: Cosac Naify, 2009. p. 479.)
Acredito que escrita sempre tem a ver com algo pessoal. Com alguma coisa que se passa dentro de você, com você, para você. De alguma outra forma, externalizada, a escrita pode gerar qualquer coisa inominável no outro, que somos nós mesmos. O outro é a maior representação do eu, por isso o misto do amor e raiva. E a escrita pode ser a nossa maior forma de ser o outro, que é ser nós mesmos.
Os textos aqui publicados na sua grande maioria não tem sequer a ver com a vida pessoal de quem escreve, mas ao mesmo tempo tem. Nenhuma linha poderia ser escrita se algo, de alguma maneira pessoal, não fosse vivenciada. Ou idealizada. A escrita pode ser ao mesmo tempo tanto pessoal quanto impessoal. Mata e salva. Sendo claro desde o princípio: a escrita não tem compromisso com ninguém, a menos que você seja um profissional e viva disso. A escrita não deve ter compromissos, amarras. Tem que ser livre, liberta, é alma. A escrita é impalpável.
No mais, compartilho um trecho de uma carta, da tão famosa, hermética e popular (pólos tão impossíveis! digo popular porque caiu no "gosto", mas ainda acredito que permaneça incompreendida) Clarice Lispector a Andréa de Azulay:
Obs.: modifiquei os gêneros porque também acredito que a leitura é pessoal. O leitor tem uma relação íntima com seu texto, e o autor fala àquele que o possa ouvir com ouvidos não materiais.
" [...] Você precisa saber que já é um escritor. Mas nem ligue, faça de conta que nem é. Eu lhe desejo que você seja conhecido e admirado por um grupo delicado embora grande de pessoas espalhadas pelo mundo. Desejo-lhe que nunca atinja a cruel popularidade porque esta é ruim e invade a intimidade sagrada do coração da gente. Escreva sobre ovo que dá certo. Dá certo também escrever sobre estrela. E sobre a quentura que os bichos dão à gente. Cerque-se da proteção divina e humana, tenha sempre pai e mãe - escreva o que quiser sem ligar para ninguém. Você me entendeu?"
(MOSER, Benjamin. Clarice,. Tradução de José Geraldo Couto. São Paulo: Cosac Naify, 2009. p. 479.)
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